consulta com Betty Milan
SOMOS MAIS DO QUE PENSAMOS
Tenho 21 anos e onicofagia, ou seja, eu roo as minhas unhas. Já tentei de tudo para deixar esse hábito: força de vontade, manicure toda semana, esmaltes com gosto desagradável e, por fim, uma terapia que me deixou decepcionada. O terapeuta achou que sou ansiosa e me indicou acupuntura, antidepressivo etc.
Estou no último ano da faculdade, envolvida com os trabalhos de conclusão do curso e os preparativos da festa de formatura. Também faço dois estágios, ou seja, vivo sempre sob pressão. Mas não me sinto ansiosa ou deprimida. Ao contrário, gosto muito da vida que tenho.
Não concordo com a ideia do terapeuta de que a minha compulsão se deve à ansiedade e eu preciso tomar remédios. Tenho a compulsão de roer unhas desde criança, quando a minha vida era tranquila, e o hábito é tão forte que mal percebo quando estou com a mão na boca. O que você pensa disso? Pode me ajudar a abandonar a mania de roer unhas?
Onicofagia. Nunca tinha escutado a palavra, embora passe a vida escutando, escrevendo e consultando o dicionário. Com o seu e-mail, descobri que roer unhas pode ser considerado um sintoma de ansiedade.
Mas entendo que você não esteja de acordo com essa ideia. Há quem roa até a adolescência pelo simples prazer de mordiscar as unhas e ranger os dentes. E, de repente, pare. Há quem continue a roer como você por não conseguir abrir mão do hábito. O problema não é roer ou não roer, e sim estar sujeita à compulsão de fazê-lo, não ter a liberdade de parar. O problema é você ter um comportamento que não deseja ter, é ser contrária a si mesma. E isso não deve se limitar à onicofagia. Provavelmente se manifesta de outras formas. Você precisa descobrir o que te impede de dizer nãoa você mesma e simplesmente parar. Claro que existe uma razão e você pode encontrá-la.
Onãorequer uma coragem sem a qual nós viveríamos entregues às nossas pulsões e a civilização não existiria. O viciado, por exemplo, é aquele que não pode se dizer não. Só não digo que ele prefere o vício à vida porque ele acredita que sem o vício não pode viver. Trata-se obviamente de uma ilusão.
Nós somos maiores do que nós mesmos, temos a capacidade de nos superar continuamente.Podemos ser tão fortes e generosos quanto fracos e mesquinhos. Você, que aos 21 anos já está na último ano da faculdade, pode ter suas fraquezas, mas é forte. Só precisa aprender a usar a força para conseguir o que deseja e não viver se contrariando. Para tanto precisará se debruçar sobre você mesma, terá que aprender mais sobre si, em suma, terá que se escutar. O primeiro passo é sempre este. Porque é através da palavra que nós existimos, nós que somos seres falantes, falesseres, como dizia Lacan.
Publicado em Quem ama escuta