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SEM LIBERDADE, O AMOR NÃO SE SUSTENTA

Tenho 19 anos e sou um tanto complicada quando se trata de amor. Me apaixonei há quatro anos por um primo casado. Diz que me ama, mas eu não consigo acreditar. Era muito safado quando solteiro e não se separa por conveniência. Acredito que seja isso. Já tentei me esquecer dele, namorando outros garotos, só que não consigo. O namoro dura dois meses e eu logo termino.

Sei que não estou certa. Até porque fui criada na tradição antiga. Só que o meu sentimento é mais forte do que eu. Por mais que não queira, quando vejo o primo, o meu coração se dilacera. Como arrancar isso da minha mente e do meu coração? O que eu faço com esse sentimento?

 

Que incrível paixão as mulheres podem ter pelo dilaceramento! Numa das suas peças, A falecida, Nelson Rodrigues escreveu: “Entra de sola que mulher gosta é disso”. Essa frase terrível continua, infelizmente, sendo atual. Talvez porque a tradição antiga continue vigorando e os pais não eduquem as filhas para que não cedam ao gozo masoquista.

Ninguém arranca ninguém da mente e do coração, precisa mudar de posição subjetiva. Já pensou em consultar um psicanalista e tratar do assunto com ele? A melhor coisa que você pode fazer é isso. Porque o que caracteriza o gozo é a repetição, e, se você continuar sujeita a ele, depois do amor pelo primo, inventa algum outro que seja mortífero também.

Foi a partir da compulsão à repetição que, num texto de 1920, Mais além do principío do prazer, Freud elaborou o conceito de pulsão de morte. No texto, ele afirma, contrariando as ideias vigentes, que o processo mental não é dominado pelo princípio do prazer. Se fosse, a maioria das nossas experiências seria prazerosa e esse não é o caso.

Quando o princípio do prazer é substituído por tendências que estão “mais além”, tendências inconscientes recalcadas, que são a causa do desprazer, é preciso se livrar delas. Você está às voltas com essas tendências, que te impedem de viver um amor feliz. Te amarram a um homem que era safado quando solteiro, está casado por conveniência e se exercita em seduzir a própria prima.

A origem do seu drama se encontra no seu passado, que você precisa rememorar. Através do recurso à rememoração e de uma escuta competente, você se libera. Sem liberdade subjetiva, o amor não se sustenta. Sei bem que fazer análise custa caro, porém é “melhor pagar com dinheiro do que pagar com a própria vida”, como diz a psicanalista Maria Lucia Baltazar.

 

 

Publicado em Quem ama escuta