consulta com Betty Milan
QUEM GOSTA DE SOFRER NÃO SARA
Tenho 43 anos, sou gay e soropositivo. Ser gay não me causa nenhum problema profissional e nem pessoal, mas o fato de ser soropositivo, sim. A cada encontro amoroso, é difícil revelar a minha situação.
O problema, na realidade, é muito mais meu do que do outro. Só aconteceu uma vez de o outro não aceitar a relação amorosa por causa da soropositividade. Não aceitou e nós ficamos amigos.
Atualmente, hesito em contar a verdade, por medo de ser rejeitado, e acabo perdendo o namorado por outros motivos. Sempre dou um jeito de criar algum conflito para o namoro não ir adiante. A história não para de se repetir. Como num filme.
No século XIX, Oscar Wilde foi incriminado, preso e arruinado por ser homossexual. Foi preciso muita luta para que ser gay não causasse mais problema profissional e nem pessoal. O papel de André Gide nessa luta foi fundamental. O escritor teve a inteligência de tornar pública a sua homossexualidade para defender o direito dos homossexuais a serem como são. A repercussão social desse procedimento foi tamanha que, em 1947, Gide recebeu o Prêmio Nobel. Depois, houve maio de 1968 na Europa, um ano decisivo para acabar com a condenação moral aos homossexuais e levar à modificação das leis.
Quando a luta estava ganha, apareceu o vírus da Aids, nos ameaçando de doença e morte. Hoje, sabemos que a soropositividade pode não significar doença, mas no nosso imaginário aquela continua associada a esta e você é vítima dessa associação. Só receia contar a verdade porque teme que o outro faça a associação nefasta que você faz.
No caso da soropositividade, como no do câncer, o sujeito precisa, por um lado, analisar cada um dos seus juízos sobre a própria condição e, por outro, afastar o juízo que não esteja fundado na realidade. Pelo efeito depressivo, este pode se tornar danoso. O que impede o soropositivo ou o canceroso de ter sobre si mesmo uma visão objetiva e se opor eficazmente à doença é o gozo masoquista, um gozo que faz o sujeito se apegar à fantasia destrutiva.
Qualquer um que tenha contraído o vírus da Aids se beneficia — e muito — do trabalho analítico, como diz Alain Emmanuel Dreuilhe em Corpo a corpo, um livro de 1987 que continua atual. Você pode se valer da soropositividade para se curar da perversão masoquista e viver mais feliz. Noutras palavras, o problema físico pode te levar a uma cura subjetiva. Me permito dizer que você está com a faca e o queijo na mão se for capaz de se ajudar e de se deixar ajudar por quem sabe escutar. Vale a pena parar de se repetir e todo empenho nesse sentido é pouco. Porque a repetição mata e a vida não é um filme.
Publicado em Quem ama escuta