consulta com Betty Milan

QUEM AMA RESPEITA

Tenho 29 anos e nunca me relacionei com ninguém. Sou deficiente física e me sinto inferior por causa disso. Já surgiram alguns homens, mas, de medo de não corresponder às expectativas deles, nunca me envolvi. Ao contrário, sempre os afastei…

Como em breve eu faço 30 anos, já começo a me acostumar com a ideia de que vou morrer sozinha. O que devo fazer para isso não acontecer?

 

A deficiência física é uma limitação, só que você pode tirar partido dela, descobrindo com o parceiro a sua maneira de se relacionar. A cena de amor mais intensa que eu já presenciei foi entre dois paraplégicos, um homem e uma mulher que tentavam e não conseguiam se beijar, porém fizeram dessa tentativa uma forma de expressar a sua paixão.

Não deve ter acontecido por acaso em Greenwich Village, bairro de Nova York onde viveram grandes poetas, entre os quais Allen Ginsberg, que se opôs veementemente ao materialismo americano, insistindo na fidelidade a si mesmo. Foi numa rua deserta desse bairro, onde o espírito do poeta está e estará sempre presente, que eu presenciei a cena.

Passava casualmente pela rua de prédios de tijolo vermelho, ladeada de árvores, quando vi o homem e a mulher, nas suas respectivas cadeiras de rodas, sentados lado a lado. Ele procurava infindavelmente os lábios dela. Sua cabeça de repente caía para logo de novo se levantar. O que contava para os dois não era a impossibilidade de realizar o desejo, e sim a possibilidade de sustentá-lo incansavelmente. Dois deficientes que eram dois deuses do amor. Com a sua tentativa frustrada, eles suspendiam o tempo e faziam a eternidade soar.

O amado é objeto de respeito e de pena. O amante o quer pelo que ele não tem e ainda pelo que lhe falta. Não sendo assim, não é amor —e o que importa verdadeiramente é o amor. Você não vai morrer sozinha se conseguir sair da posição em que está, ou seja, de quem considera que a deficiência é sinônimo de inferioridade e os outros são perfeitos. Se levar em conta aquele provérbio que diz: “A perfeição não é deste mundo”.

Ademais, você tem apenas 29 anos. Falta um para 30, a idade da mulher que Balzac cantou. Por ser a idade em que a mulher desabrocha, recusa a condição de objeto e reivindica a de sujeito. O que conta não são mais as frustrações do passado e o medo do futuro, e sim o desejo de realização. Sendo jovem, a mulher já é madura e dispõe de todos os recursos de que precisa para se realizar. Você já é quase uma balzaquiana. A hora é sua. Aproveite. Mesmo porque, salvo acidente, ainda falta muito para morrer.

 

Publicado em Quem ama escuta