consulta com Betty Milan

O QUE SEPARA AS PESSOAS É O PRECONCEITO

Casei com um homem generoso e dedicado. Mas casei por carinho, e não por amor. Ficamos 22 anos juntos e tivemos dois filhos com os quais ele sempre foi amoroso. Eles hoje têm 30 e 27 anos. Ambos estão casados e têm filhos. Em 1994, resolvi me separar e assumir a minha homossexualidade. Vivo há 13 anos com uma mulher linda. Minhas irmãs adoraram minha decisão e me apoiam, os amigos não entendem, mas aceitam. Já os filhos!

Quando resolvi me assumir, saí da cidade onde morávamos, dizendo que queria me separar e fazer mestrado. Ao saberem da verdade, eles ficaram dois anos sem falar comigo. Largaram a faculdade e se desorganizaram em todos os segmentos da vida. Hoje, eles me aceitam, mas convivemos pouco. Quando me visitam, a minha companheira sai de casa. Fiquei com uma culpa enorme. Atribuo tudo o que acontece de ruim com eles à minha atitude. Apesar dos momentos bons, sinto vontade de morrer, me sinto sem lugar.

 

Recebi o seu e-mail e engavetei. O que posso dizer para uma consulente que abriu mão de ser mãe para viver a sua homossexualidade? Que não ousou dizer a verdade para os filhos e se deixou flagrar por eles? Que até hoje os recebe na ausência da companheira? Fiquei de mãos atadas, com o seu e-mail na cabeça, durante três semanas, até entender o que significa “me sinto sem lugar”.

Acho que você está sem lugar na relação com os filhos. Está e vai ficar, enquanto não disser a eles o quão impossível era contar que você amava uma mulher e por isso precisava se separar de um marido “generoso e dedicado”. Um marido que também era um pai “amoroso”. Enquanto não tiver a coragem de expor o seu sofrimento e ousar a sinceridade. Para tanto, precisará se assumir verdadeiramente. Porque se mandar com a amante não é se assumir. Não é aceitar a própria maneira de ser e sustentar que uma homossexual tem o direito de ser mãe e avó, que ama os filhos e os netos. Que a família pode se perpetuar com ela, porque não é o homossexualismo que separa as pessoas, mas o preconceito.

Ou seja, você precisa morrer para a vergonha de si mesma e renascer de outra maneira. Embora distantes, os filhos estão na sua vida. Por que não expor o drama e tentar ganhá-los com as palavras? Com a verdade, que é um recurso poderoso? Se não for possível ganhar, você ao menos tentou, fez o necessário. No que diz respeito à culpa, ela traz infelicidade e só serve para satisfazer o seu gozo masoquista, um gozo do qual já está mais do que em tempo de se curar. Pois, queira ou não, você já é avó.

 

Publicado em Quem ama escuta