consulta com Betty Milan
O FUTURO DEPENDE DO PRESENTE
Tenho 29 anos e, quando criança, um tio e um primo abusaram de mim. Tocavam o meu sexo e me faziam tocar o deles. Hoje, vivo angustiado. Sou cortejado pelas mulheres, só que não me interesso por nenhuma. Me sinto atraído por homens e isso me aborrece. Cheguei inclusive a gostar de alguns e tive medo de me relacionar, porque moro numa cidade do interior e sou bastante conhecido.
A bem da verdade, não sei o que quero. Penso em constituir família, porém tenho medo de trair a minha esposa com outro homem. Quando me masturbo, sinto nojo do meu ato e de sexo em geral. Atualmente, eu não saio e não me divirto. Vivo sozinho. Sinto muita falta de alguém, mas me pergunto: de quem? De uma mulher ou de um homem? Também não tenho muitos amigos. Vivo triste e solitário. Não sei o que fazer para melhorar a minha vida. Não tenho ninguém com quem possa desabafar. Me ajude a entender o que se passa.
Há certamente uma relação entre o abuso sexual de que você foi vítima na infância e a sua angústia presente, a atração por homens — de que você não gosta — e o nojo do sexo. O nojo é perfeitamente inteligível, pois a sua primeira experiência está associada à violência. À violência do seu tio e do seu primo contra você. Ambos mereciam ser punidos.
Seja como for, você continua preso a essa experiência negativa e o primeiro passo é dissociar sexo de abuso — para que você possa sair, se divertir e ter alguém na sua vida. Dissociar, por um lado, e, por outro, associar o sexo ao amor. Pois, como diz Nelson Rodrigues, o sexo sem amor é “a origem fatal” dos nossos males, das “doenças da carne e da alma, do câncer no seio às angústias sem controle”. O segundo passo para se realizar é descobrir se é de um parceiro ou de uma parceira que você precisa. Isso é decisivo. E eu só desejo lembrar que não é dado a todo mundo constituir família, embora nós sejamos educados com isso em mente.
Até aí eu posso ir neste consultório sentimental. Mas, sem escutar o que mais você tem a dizer sobre o seu passado e o seu presente, eu não tenho como ir mais longe. Porque é o seu discurso que pode iluminar a sua vida. Um consultor que explicasse mais estaria abusando da sua posição. Para ajudar, eu devo aceitar os meus limites e sugerir que você procure um analista. Se, para isso, for necessário sair da cidade, saia. Mude para outra ou saia e volte para fazer análise. Até entender o que acontece e se reposicionar.
Este é o caminho, não tem outro. Você deixa claro no final do seu e-mail que precisa desabafar, sabe que precisa ser escutado. Tomara que você consiga se mexer, porque você hoje não vive. O passado nós não temos como mudar, porém o futuro depende do que nós fazemos do presente.
Publicado em Quem ama escuta