consulta com Betty Milan
O ciúmes é uma forma de masoquismo
Há cerca de seis meses, mandei um e-mail a você. Havia saído de uma relação com um cara que durou 12 anos. Saí porque ele tinha um comportamento sexual compulsivo com outros parceiros, fora da relação. Rompi, porém fiquei com uma paranoia de ciúmes.
Hoje, distante da cidade onde vivíamos, a minha situação mudou. Conheci outra pessoa e nós estamos bem juntos. Queremos ser felizes. No entanto, continuo inseguro e, às vezes, torço para encontrar um deslize do parceiro. Um deslize imaginário ou real, a fim de brigar. O que é isso? Gostaria muito que você respondesse ao meu e-mail.
O termo paranoiaé de origem grega e, na Grécia, significava loucura. Os psiquiatras hoje se valem do termo para designar uma psicose crônica, definida por um delírio mais ou menos sistematizado, que não leva à deterioração, como acontece no caso da esquizofrenia. Na psicose, não há rebaixamento intelectual e o que predomina é a interpretação sem fundamento. O delírio do paranoico pode ser de perseguição, de grandeza ou de ciúmes.
Só dei o conceito para você saber que não é paranoico — porque não é delirante. Se fosse, não estranharia a própria conduta e não teria me escrito. Isso posto, o ciúme é um sentimento de natureza paranoica. Pode ser despertado pela traição, mas também pode resultar de uma interpretação sem fundamento real, como, por exemplo, no seu caso. Embora feliz com o parceiro, você não acredita que ele possa ser fiel. Fica à espreita, à espera do flagrante que vai te deixar arrasado.
O ciúme nasce de si mesmo, ele se autoengendra e está associado a um gozo masoquista. Do contrário, não seria um sentimento tão resistente. Você só não consegue abrir mão da fantasia do deslize porque ela te faz sofrer e gozar. A expressão dor de cotovelo, que associa o ciúme à dor, é uma prova do que estou dizendo.
Se você quer ser feliz, precisa se tratar do masoquismo. Descobrir, na sua história pessoal, o imperativo a que você obedece quando se maltrata. A este imperativo, Lacan deu o nome de desejo doOutroe o escritor argentino Hector Bianciotti, de desenho anterior.
Quando ele lançou O que a noite conta ao dia,um dos tomos da sua autoficção, eu o entrevistei e ele me disse que todo ser humano já nasce bem antes de ter nascido, que nós não herdamos só os traços físicos, a cor dos olhos e da pele dos antepassados, porém também os sonhos, que não são necessariamente os da geração que nos precede — podem ser os de gerações mais antigas.
No caso de Bianciotti, o desenho anterior o favoreceu. Era filho de imigrantes e a nostalgia da cultura europeia do pai o levou a sair dos pampas argentinos e se radicar em Paris. Mais que isso, a passar para a língua francesa e entrar na Academia Francesa. Você está às voltas com o desejo do Outro. Só que ele não te favorece. Procure decifrá-lo o quanto antes para deixar de sofrer e viver em paz.
Publicado em Quem ama escuta