consulta com Betty Milan

O AMADO ACEITA O QUE O AMANTE OFERECE

Tenho 40 anos e sou virgem. Nunca namorei ninguém, porque sou extremamente tímida. O drama é que eu quero namorar. Mas acho que o outro vai perceber a minha inexperiência e me rejeitar. O que eu faço? Não sei se conto a verdade ou se minto. Preciso de uma resposta.

  

Nunca recebi um e-mail tão curto e tão expressivo. Bastaram quatro linhas para você dizer quem é, qual o seu drama, qual a razão deste e o que você espera de mim. Um e-mail minimalista que captura imediatamente o leitor. Para escrevê-lo, é preciso saber escrever.

Ao ler o seu texto, me lembrei de um livro, Escuta, Charlie Brown!, de Sérgio Coelho, sobre a timidez. Ou melhor, sobre o privilégio da mesma. A palavra privilégio vem do latim privelegiu, que quer dizer lei privativa, regra criada em benefício de uma única pessoa. Segundo o autor, a timidez faz o tímido se sentir diferente dos outros e serve para ele não se expor a nenhum risco, preservar assim o seu amor-próprio.

É disso que se trata no seu caso, não é? Só que, para não se expor, você fica ilhada. Só vai sair da ilha e namorar quando entender que ninguém ama ou deixa de amar por causa da falta de experiência sexual do parceiro. O que falta ao amado não é motivo para o amante rejeitá-lo. Pelo contrário. Por amá-lo, o amante aceita que o amado lhe ofereça o que ele não tem.

Ser virgem aos 40 anos pode ser um trunfo. Corpo de menina e cabeça de mulher. A sua inexperiência pode te favorecer, desde que você não precise mais esconder a verdade. Desde que aceite a sua realidade de virgem, embora ela contrarie a moda.

O direito de não transar é tão importante quanto o de transar. Não foi para sermos obrigados a ter esta ou aquela conduta sexual que nós nos liberamos da repressão que vigorou até a “revolução sexual” dos anos 60.

A psicanalista francesa Catherine Millot, aliás, questiona a palavra revolução nesse contexto, dizendo que nós passamos da ideia de que as mulheres não tinham vocação para o gozo à de que tinham o dever de transar. Diz ainda que, nos anos 60, nós escapamos da repressão imposta às gerações anteriores, mas à custa de dizer sima todas as propostas masculinas. Do contrário, éramos consideradas retrógradas. As mulheres tinham que dizer sime os homens tinham que ter uma atividade sexual intensa. Millot compara a sexualidade aos partidos totalitários, que passam da interdição para o que é obrigatório.

Não se deixe tiranizar pelos imperativos da atualidade. Respeite a sua diferença. Só assim você poderá amar e ser amada.

 

Publicado em Quem ama escuta