consulta com Betty Milan
Não ter filho é um direito
Meu pai teve uma relação fora do casamento com minha mãe. Durou três anos. Quando ela me concebeu, ele voltou para a esposa. Fui criada por minha mãe, tias e avós, porém rejeitada por meu pai e sua família, que era muito conhecida na cidade.
Minha mãe foi sempre apaixonada por ele. A ponto de controlar a minha raiva e evitar que eu cobrasse dele atitudes de pai nas únicas duas vezes em que o encontrei — durante as audiências de reconhecimento de paternidade.
Hoje, que eu tenho um filho, me pergunto se minha mãe não amava mais o meu pai do que eu. Ele morreu e, antes disso, enganou minha mãe. Só depois de ter sido enganada, ela entendeu o que eu dizia. Não me escutava, pois eu era adolescente.
Gostaria de entender por que me sinto culpada e que papel eu tive no triângulo.
Você foi desejada por sua mãe e não por seu pai, que inclusive só reconheceu a paternidade por ter sido obrigado pela lei. Ou seja, reconheceu que era o pai biológico, pois não tinha saída, mas nunca desempenhou o papel esperado. Não passou de um genitor.
A sua mãe foi apaixonada por ele até o fim. A ponto de impedir que você se manifestasse e de não escutar nada que pudesse comprometer a imagem dele. Não sei em que condições ela ficou grávida. Sei que deu à luz contrariando o desejo dele e, portanto, não o amava verdadeiramente. Quem ama respeita. O desrespeito é a possível causa da separação entre ela e o seu genitor.
Por outro lado, ela pôs você no mundo porque quis. Não levou em conta que a sua história passaria por audiências de reconhecimento de paternidade e que ninguém merece isso. Entregou-se repetidamente à paixão e não alcançou o amor, que requer a renúncia e a contenção.
Você diz que se sente culpada. Deve ser por imaginar que foi a causa da separação deles. Isso não é verdade. Você não é culpada de nada e só teve no triângulo o papel que deixaram você ter. Agora, o passado pode servir para o sujeito moldar o seu futuro. Aconteça o que acontecer, esta liberdade ninguém tira da gente.
A grande descoberta de Freud foi essa. Trabalhando com os pacientes, ele se deu conta de que a rememoração do passado permite estancar a repetição. O sujeito rememora, através da associação livre, reinterpreta o ocorrido e para de se repetir. Com isso, tem condições de abrir uma via nova para si.
Graças ao seu e-mail, eu me detive na expressão filha da mãe, geralmente utilizada para injuriar, e me dei conta do drama implícito nela. Um drama que deveria levar as mulheres a não enveredar pelo caminho da sua mãe. Me dei conta também da importância da educação sentimental que, sem reprimir, ensina a lidar com as paixões e recusar a posição de quem é vítima delas.
Publicado em Quem ama escuta