consulta com Betty Milan

Humano simplesmente

Já caminhamos tanto na comunidade gay, já lutamos tanto que agora nos damos ao luxo de ter preconceitos. Um caso aqui, outro ali, e nós vamos nos nivelando por baixo. Os nichos existentes hoje na comunidade gay me assustam. Pode ser barbie, susie, bichinha, teen, urso, lésbica, caminhoneira, lady, bicuda, noveleira, nazaré, drag, vip… São tantos os apelidos e segmentações que nós estamos perdendo a força.

Queremos ser tão iguais aos heterossexuais que nos julgamos entre nós, apontamos a barbie, a susie, a bichinha… Em vez de ficar apontando, está na hora de crescer de verdade, voltando o indicador para nós mesmos, a fim de questionar o preconceito internalizado. Antes de sermos homo, nós somos humanos.

Um homossexual rotula o outro à maneira dos heterossexuais. Porque rotular, infelizmente, é humano. A questão que se coloca é saber para que serve o rótulo.

Se eu digo que o outro é barbie, eu o enquadro numa categoria. Por que faço isso? Por um lado, para deixar clara a diferença entre ele e mim, afastar-me. Por outro, para evitar que ele me surpreenda, para proteger-me.

O rótulo está na origem de todas as exclusões e, se a educação se ocupasse de transmitir valores, a escola ensinaria a não rotular o próximo. Inclusive porque, ao fazê-lo, nós nos cegamos e nos ensurdecemos, perdemos a possibilidade de nos enriquecer com a diferença, um tesouro ao alcance de todos. Quem sabe da diferença não sabe o que pode a monotonia vir a ser.

Viveremos melhor quando formos capazes de nos interditar o rótulo. E isso vale para os homossexuais que fazem questão de se declarar homossexuais, como se não tivessem o direito de sê-lo. Os heterossexuais não fazem isso por não duvidar do direito de serem como são. Salvo quando temem a bissexualidade.

Dia virá, espero eu, em que ninguém autorizará ninguém a pôr em questão a sua escolha sexual. Como na Grécia de Platão(52), onde o sujeito era julgado pelo seu discurso. Nesse dia bem-aventurado, o preconceito terá sido vencido – o de uns em relação aos outros e também o preconceito internalizado. Trata-se de uma utopia pela qual vale a pena lutar.

O RÓTULO ESTÁ NA ORIGEM DA EXCLUSÃO

Publicado em Fale com ela