consulta com Betty Milan
GRAVIDEZ, SÓ DE PROPÓSITO
Tenho quase 30 anos e uma filha de 12. Fiquei grávida aos 16, num daqueles escorregões que muita gente dá. Já na adolescência, eu não queria ter filhos. Pretendia focar a vida só na carreira. Mas assumi a responsabilidade da gravidez e batalhei para sustentar a minha filha. Me ocupei de todos os detalhes da sua vida, fui pai e mãe ao mesmo tempo. Quando ela completou 8 anos, saí da casa de minha mãe e passei a cuidar de tudo sozinha.
Hoje, estou completamente saturada. Não tenho mais um pingo de paciência com a menina. O mundo pode despencar que ela não toma iniciativa alguma. Às vezes, penso que não a amo mais. Não tenho mais vontade de educá-la. Detesto repetir coisas básicas como “vá escovar os dentes”, “está na hora do banho” etc. Acho que estou estragando a vida dela, pois vivo falando que não faz nada direito e não será nada na vida.
No momento de muita raiva, chego a culpá-la por eu não ter um emprego melhor. Digo que abri mão de tudo pra ser mãe. Ela já me disse que não deveria ter nascido, porque me impediu de ser feliz. Acho que será uma adulta depressiva. Quando fica muito difícil, eu me pergunto se somos obrigados a amar nossos filhos. E, se eu não a amar mais, como posso continuar nessa relação?
Preciso te contar ainda que perdi o meu irmão, um verdadeiro anjo, 12 dias depois do nascimento da minha filha, e meu pai morreu um ano depois, deixando como “herança” uma outra mulher além da minha mãe. São acontecimentos que, até hoje, terapia nenhuma me fez superar…
Você se refere à gravidez como “um dos escorregões que muita gente dá”, ou seja, como um acidente de percurso, um fato sem maior importância. Mas é precisamente este fato que determina a sua existência há anos, ou seja, durante a segunda metade da sua vida. Vale a pena, portanto, se debruçar sobre ele e se perguntar por que você escorregou, ou seja, foi irresponsável em relação a você mesma.
Digo isso por você estar sendo irresponsável de novo. Só uma mãe sádica diz para a filha que esta não será nada na vida. O seu discurso desautoriza e condena à infelicidade. Você está ciente disso, tanto que escreveu no seu e-mail: “ela será no mínimo uma adulta depressiva”. E a sua irresponsabilidade não diz respeito só a ela. Diz respeito também a você, porque, depois de um grande empenho para criar a menina, você vai fracassar como mãe. Ninguém merece isso. Cuidado!
Que tal procurar um analista competente para saber o que explica o seu sadomasoquismo e se livrar dessa perversão que estraga a sua vida? Para deixar de escorregar e se repetir. Aliás, a sua filha não te escuta porque você não para de se repetir. Só diz “vá escovar os dentes” ou “está na hora do banho” destilando ódio, deixando a menina tão surda para você quanto você deve estar para ela.
Quanto à morte dos seus queridos, ela precisa e pode ser superada. A fim de que você possa respeitar e celebrar a vida dos vivos, a da sua mãe, a sua e a da sua filha. Tem um tempo para o luto e outro para a superação. Lamentar a infelicidade só atrai infelicidade. Espero que você consiga dar um basta nisso, fazendo um trabalho analítico sério.
Publicado em Quem ama escuta