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FREUD SERÁ ETERNAMENTE MODERNO

Tenho 70 anos e sou viúva há nove. Há três anos, reencontrei meu primeiro amor. Ou seja, 52 anos depois! Mas ele ainda estava casado. Vivemos uma intensa paixão, que me fez enfim conhecer a verdadeira felicidade de amar e ser amada. Nos meus 42 anos de casamento, eu tinha sido infeliz, porque meu marido era alcoólatra. A minha vida toda foi de muita luta para criar meus filhos e sobreviver dignamente.

Depois de dois anos de paixão e felicidade, o meu amor morreu, vítima de um infarto fulminante, me deixando completamente só e perdida. Não consigo sair de uma profunda depressão, estou sem objetivo de vida. Como se o mundo tivesse acabado para mim.

 

Que sorte a sua! Encontrou um grande amor aos 70 anos e teve energia para viver a experiência amorosa depois de 42 anos de infelicidade. Parabéns. Nem todo mundo consegue isso.

O seu problema está no modo como você hoje enfrenta a perda. Dizendo, por exemplo, que o seu amor morreu quando quem morreu foi o seu amado. Isso acontece porque o amante se toma pelo amado e você ainda não fez o luto. Depois que tiver aceitado a morte, não ficará mais só, porque terá com você a memória do amado e, por incrível que pareça, rememorar poderá ser um objetivo de vida.

Perder não é sinônimo de não ter, e fazer o luto é entender isso. Como não é fácil, quase todas as culturas primitivas têm o culto dos ancestrais, cujo ritual ajuda a se separar do morto sem perdê-lo. A dificuldade é de tal ordem que os nossos índios comiam os seus mortos, trazendo-os novamente para o mundo dos vivos e impedindo que se putrefizessem. Nada para eles era pior do que a imagem do cadáver se decompondo.

A morte tem que ser desdramatizada para podermos sobreviver a ela e não desperdiçar o tempo que nos resta. Montaigne, que refletiu sobre tudo o que de fato conta, diz nos seus Ensaios que é preciso não estranhar a morte. Incita o seu leitor a se acostumar com ela, pois, “como não sabemos onde a morte nos espera, é melhor esperarmos por ela em todo lugar”. Para o escritor, a premeditação da morte é a premeditação da liberdade.

Você já tem mais de 70 anos e pode aproveitar o tempo que resta se valendo da experiência luminosa do amor para viver melhor do que antes. Ou seja, com a sabedoria de quem perdeu e portanto sabe que é mortal. Que nenhum minuto pode ser desperdiçado.

Se você não consegue sair sozinha da sua profunda depressão, procure um especialista para entender por que a perda, no seu caso, é fatal. Também isso tem uma relação com o seu passado. A nossa conduta presente depende da nossa história. Este foi o maior achado de Freud, que será eternamente moderno.

 

Publicado em Quem ama escuta