consulta com Betty Milan

Exibicionista

Tenho vergonha do que vou escrever. Só escrevo porque a minha tara me enlouquece. Sou casado há vinte e cinco anos e eu me detesto pelo que faço com a minha esposa. Visto-a de call girl: camiseta, shortezinho transparente – sem calcinha e sem sutiã. Da última vez a presenteei com um body preto aberto no meio do sexo. Para irmos a uma boate. Bastava ela se distrair e o sexo aparecia.

Um, dois, três uísques e ela, esquecida da roupa, abriu um pouco as pernas. Um homem veio tirar a minha esposa para dançar. Como ela se recusasse, ele a xingou. “Putinha, putinha…” Levantei para bater e fui posto na rua.

Voltei para casa com ela aos prantos. Depois disso, não parei mais de tomar soníferos e calmantes. De tarado, passei a traumatizado, culpado. Há anos eu exibo a mulher que eu amo – e que me ama – só pelo prazer que a cobiça dos outros me dá, pela excitação. Há anos ela se submete. O que eu faço para me livrar da minha tara?

 

Você sabe que, se você não pedisse, a sua esposa não se vestiria de call girl. Do contrário, não teria escrito: “Há anos ela se submete”. Você contraria a disposição natural dela e diz que a ama. Quem ama não se serve do parceiro – como de um mero instrumento – para ficar “excitado”. Considera que o acordo está acima do gozo. O mea culpa só faz sentido se você procurar saber por que o olhar de um outro te excita, se descobrir o motivo da sua “tara”. Para tanto, precisa aceitar que o inconsciente existe e se dispor a escutá-lo, rememorando a sua história com a pessoa que você escolher para isso.

Há duas razões pelas quais alguém que tem uma conduta autodestrutiva insiste nela. Ou por não querer abrir mão do gozo que a conduta propicia ou por não poder admitir que está sujeito a algo que lhe escapa e determina os seus atos: o inconsciente. Não é fácil admitir que não somos donos de nós mesmos.

Preferimos fazer de conta que não cometemos um lapso ou um ato falho a considerá-los e aprender com eles. Poderíamos tomá-los como sinais úteis para nos reorientar. O personagem de O alquimista, aliás, faz isso do começo ao fim do livro.

Ao introduzir o conceito de inconsciente, Freud sabia que encontraria resistência, pois estava infligindo aos seus contemporâneos uma ferida narcísica – por isso, justificou mais de uma vez a necessidade e a legitimidade do novo conceito.

Queira ou não, o inconsciente faz e fala por nós. Quem renuncia à paixão da ignorância e dá ouvidos a ele se torna mais livre. Por que não ousar a liberdade?

O INCONSCIENTE FAZ E FALA POR NÓS

 

Publicado em Fale com ela