consulta com Betty Milan

Escandalizada

Você confunde a moral com o cinto de castidade. Será que você parou no tempo? Acho que você não se dá conta dos valores que a humanidade perdeu.

O modo como as pessoas usam o corpo só diz respeito a elas próprias, é algo íntimo e individual, que dispensa divulgação, movimento ou festa gay. Você concorda com as crianças vendo sexo explícito entre homens na internet? Gostaria que um dos seus filhos seguisse essa tendência?

 

Sei bem dos valores que a humanidade perdeu. Um deles é a delicadeza, que implica a contenção. Quem diz o que quer, corre o risco de ouvir o que não quer. Mas você está certa quando afirma que o modo como as pessoas usam o corpo só diz respeito a elas mesmas. Seguindo, portanto, o seu raciocínio, não há razão para censurá-las por exibirem o comportamento sexual ou mantê-lo secreto. Se existe um movimento gay é porque os gays já foram duramente perseguidos. Não vejo por que não teriam o direito de fazer festa, ainda que eu prefira festa cujo tema não seja a identidade sexual.

A identidade é, aliás, mais incerta do que se supõe, como evidencia a obra fotográfica da artista americana Nan Godin(67). Os seres que ela fotografa não são nem bem homens e nem bem mulheres. São ambíguos. Quando se trata de sexo, a expressão pão, pão, queijo, queijo não se aplica. Por isso, há estruturas psíquicas homossexuais no contexto de relações heterossexuais e vice-versa. Judith Butler trata do tema em Perturbação do gênero, um livro clássico.

Melhor a criança não ficar vendo sexo explícito na internet, claro. Dificulta a educação, que requer o controle das pulsões. Porém, cabe aos adultos controlar a criança. À sua última pergunta, eu respondo dizendo que, se tivesse um filho homossexual, lamentaria o fato de ele não poder engendrar, não alcançar através do próprio filho a imortalidade que é dada aos mortais. Nunca me oporia a ele ou a quem quer que seja por causa da escolha sexual. O que mais importa na vida é ser feliz e, em matéria de felicidade, cada um sabe de si. Não há regras – e a receita, infelizmente, ninguém tem.

  

RECEITA DE FELICIDADE

 NÃO EXISTE

 

Publicado em Fale com ela