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DON JUAN DE SAIA TAMBÉM EXISTE

Sou casada há nove anos, mas tenho o ímpeto de conquistar outros homens. Vou me aproximando, fazendo charme, até conseguir. Um encontro e nada mais. Na verdade, não faço sexo com eles, só quero despertar o sentimento amoroso. Quero que fiquem atraídos por mim. Como se quisesse manter alguém “à minha espera” em caso de necessidade.

Tenho sofrido muito com isso. O último homem se apaixonou e eu não queria ficar com ele, só queria as declarações de amor. Agora, ele enfim se afastou, mas saiu muito machucado. Me sinto culpada.

Na verdade, quero ficar com meu marido e não consigo abrir mão da conquista. O desafio me tenta.

 

Don Juan é homem, mas podia ser mulher. A sua história mostra que o donjuanismo não tem sexo, é o comportamento de quem seduz para se afirmar.

Don Juan seduz pelo gosto de vencer a resistência. Faz o que for preciso “até conseguir”, exatamente como você. Ele não ama nenhuma das belas. Amor, só por si mesmo. Todas servem para que se sinta vitorioso e todas são vencidas. Do ponto de vista dele, o fim justifica os meios. O amor para Don Juan é indissociável da guerra e é justo compará-lo a um general.

Verdade que ele quer sexo e você só quer o sentimento amoroso, mas, nos dois casos, a sedução está a serviço do narcisismo. A meta é suscitar a paixão para se saber amado.

O problema é que você não pode “abrir mão da conquista”, ela é compulsiva. Conquistar é um imperativo a que você obedece por razões que eu desconheço. Um imperativo que te impede de ficar com o seu marido, como você deseja. Noutras palavras, você não é livre.

O seu verdadeiro desafio é a conquista da liberdade e, para tanto, precisa se livrar da compulsão a que está sujeita, descobrindo por que precisa se afirmar à maneira de Don Juan e por que não para de se repetir. Não para de ir à luta. Vive sempre tentada a caçar e abandonar a presa. Um contínuo desassossego.

A liberdade sexual depende da liberdade subjetiva que pode ser alcançada. Escrevo isso porque a gente não nasce livre, a gente se torna. Desde que aceite a existência do inconsciente e se disponha a decifrá-lo. A via é esta.

 

Publicado em Quem ama escuta