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De repente acabou

Como você também vai falar da morte, eu te escrevo sobre o sentimento que me angustia. Entre julho de 2004 e janeiro de 2005, perdi pessoas queridíssimas, confidentes, com as quais não era necessário conviver, mas que estavam sempre disponíveis.

Estou com remorso em relação a algumas delas, de quem fugi por serem possessivas. Queriam exclusividade e eu sou do mundo. Fui deixando para conviver mais tarde. Daí, não deu mais tempo.

A morte nunca havia chegado tão perto. Posso até dizer que tenho pessoas mais íntimas do lado de lá do que do lado de cá. O que fazer para não ter tanto remorso pelo que deveria ter feito e não fiz?

 

Remorso por quê? Você só fugiu de certos confidentes porque eram possessivos. A confiança não pode ser paga com a liberdade.

O verdadeiro amigo não quer exclusividade. Deseja que o outro faça o que precisa para se realizar, para alcançar as suas metas. Aristóteles, o filósofo grego, dizia que o amigo quer o nosso bem e nos faz o bem só por nós mesmos, tem a mesma afeição desinteressada das mães pelos filhos. Das mães dignas desse nome, claro.

O que te faz sofrer é a morte, que não dá aviso prévio. De repente, acabou. A condição humana é esta. A Bíblia recomenda a contemplação dos mortos e os budistas, a dos cadáveres.

A morte pode ser considerada uma estrela, porque ensina a não perder tempo e a não desperdiçar a vida. Inclusive ensina a não abrir mão da alegria. Como o samba de Noel Rosa: “Quando eu morrer/ Não quero ninguém chorando/ Quero uma mulata/ No velório rebolando”.

Noel dispensava o choro e a vela, mas não a mulata enterrando a tristeza com o rebolado, o samba nos pés. Por ter nascido com um defeito facial grave, ter sido operado mais de uma vez e sofrido muito, Noel se valia do talento para convocar os vivos a celebrar a vida. Morreu aos 27 anos e nunca foi esquecido. Que tal ouvir Noel Rosa, notável compositor?

A CONSCIÊNCIA DA MORTE ENSINA A NÃO PERDER TEMPO

 

Publicado em Fale com ela