consulta com Betty Milan

ABUSO SEXUAL

Tenho 23 anos e traumas sérios. Desde muito cedo “fui abusada” por meu pai, com quem eu ainda convivo. Aos 14 anos, um conhecido me violentou juntamente com um amigo dele. Sempre sofri com assédio sexual.

Agora tenho tido pesadelos constantes. Sonho com tudo o que aconteceu de formas variadas, às vezes até com meu pai. O que mais me deixa desconcertada é o prazer que senti ao ser violentada. Por sentir este prazer que me deixa mal comigo mesma. O que eu posso fazer para deixar de sonhar?

 

Você foi “abusada” por seu pai e violentada por um conhecido aos 14 anos. Se você não tivesse escrito que sentiu prazer no estupro, eu poderia deduzir isso da sua história. Por um lado, porque, apesar da irresponsabilidade do seu pai, você ainda vive com ele; por outro, porque você afirma que sempre sofreu assédio sexual. “Sempre” só acontece se a pessoa inconscientemente deseja o assédio.

O ato do estupro em si não te deixa indignada. Impressionante, mas dá para entender, porque você foi educada por um homem que infringiu a lei básica da civilização, a lei da proibição do incesto. O que te incomoda é ter tido prazer no estupro, a ponto de sonhar com ele. Disso você se livra se tratando com quem possa escutar o que você tem a dizer sobre o incesto, que é considerado um ato anti-social. Freud afirma que a civilização só existe porque nós renunciamos ao incesto.

Ser “abusada” é a condição de muitas meninas. Todas se beneficiariam com a leitura de The Kiss, romance americano publicado no fim do século passado em que a autora narra detalhadamente como o pai, um pastor, a seduziu, alegando que assim procedia por se tratar da vontade de Deus(23). Ela teve coragem de revelar a verdade e se expor para mostrar os efeitos nefastos do incesto. Com isso, deixou de ser vítima e emergiu como escritora.

A possibilidade de converter um trauma de infância num trunfo está ao nosso alcance. E o que importa não é tanto o que fizeram conosco, e sim o que nós fazemos com o que os outros fizeram, como diz Sartre(24).

 

UM TRAUMA PODE VIR A SER UM TRUNFO

Publicado em Fale com ela