consulta com Betty Milan
A VIDA PODE SER REINVENTADA SEMPRE
Quero saber se é verdade que a mulher projeta o pai no namorado ou no marido. Pode-se dizer que, se ela teve um pai ausente ou mau-caráter, vai atrair um homem com essas características, também ausente ou mau-caráter? E que, se teve um pai carinhoso, fiel, responsável, o homem de quem ela vai se aproximar será igualmente carinhoso, fiel, responsável? Em suma, preciso saber se as pessoas escolhem outras — digo parceiros (as)— de acordo com a imagem do pai ou da mãe que tiveram na família.
Se a resposta for positiva, o que é possível fazer para se livrar da experiência de um pai com péssimas qualidades e se ligar a um homem com boas qualidades, decente? Aguardo a sua resposta.
A mulher não existe. Cada uma é uma e, portanto, a história de uma é diferente da história da outra. Óbvio que tendemos a escolher o namorado/a ou o cônjuge em função do pai ou da mãe que tivemos. Isso acontece porque desejamos ser amados como fomos na infância. Ou seja, se fomos amados por pais violentos, tendemos a escolher parceiros violentos, e se os pais foram afáveis, tendemos a escolher parceiros semelhantes.
Mas uma tendência é apenas uma tendência. Nada impede um ser humano de subvertê-la e reinventar a sua vida. Ou seja, já não querer ser amado como foi e encontrar uma forma nova de amar. Para tanto, precisa deixar de ser objeto do desejo do outro (do pai ou da mãe) e se tornar sujeito do próprio desejo. Trata-se de uma verdadeira conquista e não acontece sem um trabalho consigo mesmo. A mudança de posição subjetiva é sempre difícil e, para mudar, há mais de um caminho. Eu privilegio o da cura analítica, porém sei que há outros.
Você está no caminho certo, porque, por vias tortas, ou seja, partindo de uma generalização relativa à mulher, você chegou à questão certa — a sua questão. Aprofunde-se nela para encontrar a resposta. A isso, vale acrescentar que, se você tivesse descrito o pai a que se refere, eu teria mais elementos para analisar a pergunta e ser mais concreta. O consultor depende de quem o consulta, como o analista depende do analisando. Quanto mais precisa a consulta for, quanto mais explícita, melhor o consultor se torna.
Como neste consultório existe a garantia do anonimato, não há por que temer o que quer que seja. E, além desta garantia explícita, existe outra: a de que eu nunca me valerei de nada do que for dito por um leitor contra ele. Se fizer isso, saio do meu papel. Fui treinada para não descarrilhar, para me valer do poder que o leitor me confere sem abusar dele. E uma das minhas funções aqui é precisamente lembrar que “nem tudo se pode”, como diz a artista plástica Denise Milan. Com esta ideia na cabeça, a gente limita a barbárie e torna a vida em sociedade viável.
Publicado em Quem ama escuta