consulta com Betty Milan

A IGNORÂNCIA MATA

Fui traído em um casamento de 14 anos ao qual me dediquei muito. Traído e jogado no lixo, como um trapo velho. Minha esposa me mandou embora de casa com poucas roupas e 200 reais no bolso. Isso me deixou ainda mais humilhado do que a traição. Tentei me suicidar três vezes, mas Deus não me deixou ir embora.

Hoje, estou conformado com a separação, porém não consigo entender a forma como fui despejado. O pior é que estou muito inseguro quanto a ter ou não outra relação, pois tenho medo de me decepcionar novamente. Gostaria de saber como agir.

 

Como é possível ser traído e jogado no lixo como um trapo velho sem se prestar a isso? O fato de você ter tentado se suicidar três vezes e não ter conseguido mostra que você se expõe — e muito — ao sofrimento. O porquê disso eu não sei. Só sei que, depois desse tempo todo, você agora se questiona sobre o que aconteceu. E o que você tem a seu favor é esse questionamento.

O que importa, agora, não é ter ou não outra relação, e sim não se sujeitar à possibilidade de se decepcionar novamente. Noutras palavras, fazer a prevenção do desastre. A ideia de prevenção, que a medicina contemporânea valoriza cada vez mais, também é válida para a vida afetiva.

Assim como a gente se cuida, fazendo os exames que o médico recomenda, a gente pode se cuidar não entrando em fria. Para tanto, é preciso saber em que porta a gente bate ou entra. Tem quem saiba disso espontaneamente. Outros têm que ser ajudados. É o seu caso, porque você se endereçou a mim.

Faça o impossível, se for necessário, para entender o que te levou a se casar com a sua ex e por que foi despejado cruelmente. Se bem analisado, o seu drama pode fazer você enveredar por um caminho novo, que não é necessariamente o do casamento. As pessoas frequentemente imaginam que esta é a única saída, mas é claro que não é. Os caminhos são muitos e é caminhando que a gente acerta.

Uma das melhores frases do publicitário Carlito Maia era: “Não faça nada por acidente, faça tudo de propósito”. A frase, que foi escrita depois da morte da mãe dele num acidente de automóvel, significa que é preciso abrir mão de não saber. Ou seja, da paixão mortífera da ignorância à qual nós só nos entregamos por sermos incautos.

Entre a Psicanálise e o Budismo há um ponto em comum: a recusa da paixão da ignorância. Para superá-la, o psicanalista propõe ao analisando a associação livre e a rememoração. O Budismo, que é uma filosofia, e não uma religião, propõe a ascese, conjunto de práticas físicas e espirituais que levam à liberação do indivíduo.

 

Publicado em Quem ama escuta