consulta com Betty Milan

A AMIZADE REQUER A ABNEGAÇÃO

Estou num dilema, porque me apaixonei pela minha melhor amiga. Como já tive uma experiência análoga malsucedida no passado, não digo o que sinto. Fico protelando. Inclusive porque não moramos na mesma cidade.

O insucesso que eu vivi e o fato de morarmos longe um do outro contribuem para eu me manter em silêncio. Não sei o que ela pensaria se eu me abrisse. Nosso nível de intimidade nos permite falar abertamente sobre tudo. Confesso, no entanto, que, às vezes, me dói ouvi-la falar sobre as experiências amorosas dela. Não sei se devo continuar assim fechado ou se é melhor dizer que a vejo também como mulher. O que você acha?

 

O sentimento da amizade e o sentimento amoroso não são da mesma ordem, embora haja sempre algo de inexplicável nos dois. Algo que Montaigne expressou claramente falando do amigo La Boétie: “Se alguém me pedir que explique o motivo pelo qual eu dele gostava, responderei que só posso me exprimir assim: Porque era ele e porque era eu”.

A amizade requer a abnegação. O amigo realiza o próprio desejo auxiliando o outro a realizar o seu, ainda que isso torne a distância inevitável. O amor implica a entrega. O amante se realiza com ela, quer ardentemente a presença do amado, mesmo quando pode suportar a ausência.

O seu e-mail mostra que a amizade não é compatível com o amor-paixão. Pois com o amigo a gente pode falar de tudo e, tendo se apaixonado, você já não é capaz da escuta de que a sua amiga precisa. Sofre quando ela fala de amor.

Antes de mais nada, você precisa se perguntar por que se apaixonou duas vezes por uma amiga. O que te levou a esta repetição. Deve haver uma razão inconsciente que te determina e faz você perder a amizade, arriscando o insucesso no amor. Usei o verbo perder intencionalmente, porque você já perdeu a amiga. Já não pode mais escutar como ela deseja ser escutada e nem pode mais se abrir com ela. A situação de hoje é particularmente complicada.

Para encontrar a saída, você precisa responder à pergunta acima. Ir ter com o analista, cuja escuta é reveladora por não estar comprometida com nada que não seja o desejo do analisando. Para chegar a esta escuta, ele se submete a uma análise até se autorizar a ser um analista. Se deixa formar no divã pelo próprio inconsciente para que o inconsciente alheio possa se manifestar.

O divã é uma experiência única. Paradoxalmente, nada é mais útil do que associar livremente, falar o que passa pela cabeça sem compromisso com a coerência ou a utilidade. Quem faz análise seriamente não dá murro em ponta de faca. Se torna mais amigo de si mesmo e vive mais preparado para escutar o amigo e cantar o amor.

 

Publicado em Quem ama escuta