consulta com Betty Milan

Ninguém é obrigado a ter parceiro

Ao ler suas respostas, me ocorreu uma questão que eu não quero calar. Tenho 45 anos. Comecei uma análise há nove e fiquei em análise durante sete anos, que foram maravilhosos. Precisei parar por questões financeiras.

Minha analista é muito boa e eu tive uma mudança qualitativa enorme nas minhas relações, mas há nove anos eu não consigo (ou não desejo) me relacionar com homem nenhum. Me sinto muito bem, íntegra e feliz. Sempre penso que encontrar alguém faz parte do processo da vida e não me esforço para isso acontecer. Pensar e agir assim é normal?

 

Se você parou a análise por questões financeiras, você não terminou. Ou melhor, não chegou até onde podia. Portanto, é possível reconsiderar a volta. Mas não é o caso de voltar apenas pelo fato de você não se esforçar para encontrar um parceiro.

Ter um parceiro não é uma obrigação, embora as mulheres ainda sejam educadas para o casamento. Recentemente, assisti a uma comédia americana, Sex and the City, o filme dirigido por Michael Patrick King, que me agradou, porque mostra o quanto ainda somos vítimas da educação antiga.

No filme, a jornalista Carrie é amante, há dez anos, de um homem de negócios, Big. Influenciada pelas amigas, ela propõe o casamento e ele aceita. Sabendo do fato, a revista Voguepede à futura esposa que seja a modelo de um número especial dedicado ao casamento, deixando-se fotografar com diferentes vestidos de noiva. Carrie, que pretendia se casar com uma roupa simples, hesita, porém aceita o convite. As consequências são nefastas. Encantada consigo mesma e tomada pela gosto da representação, ela organiza uma festa nababesca e se esquece do noivo. Na hora H, temendo não ser amado, Big não aparece e Carrie enraivecida rompe “para sempre”. Ou seja, até a reconciliação, que coincide com o reconhecimento de que só o amor importa verdadeiramente.

E o amor não acontece porque a pessoa se esforça. Muito pelo contrário, ele surpreende. Você talvez não deseje ser surpreendida por um homem. Isso não é problema, desde que você não viva evitando a surpresa, pois é através dela que nós nos renovamos.

É possível que Picasso tenha vivido mais de 90 anos em boa forma por ter se deixado surpreender a vida inteira pelo próprio trabalho, ter se entregado continuamente às suas experiências artísticas. Apropriou-se da arte grega, da escultura pré-romana e das artes primitivas para reinventar a própria arte e se renovar. Depois, rompeu com a representação realista da forma humana e criou o cubismo. Sua obra foi a maior empresa de destruição e criação de formas da nossa época —e pelas suas tantas transfigurações.

 

Publicado em Quem ama escuta